A festa
— Tô pensando em ir com o salmãozinho…
— O salmão, querida?
— O que que tem?
— Aquele que tá pendurado na área de serviço?
— É… Pra tomar um pouco de ar…
— Acho muito chique.
— É o único que eu tenho.
— O único???
— Você não gosta do salmãozinho?
— Até gosto…
— Até gosto?
— A festa é durante o dia…
— O que que tem?
— Sol… Calor… Cerveja… Gordura de picanha…
— O que que tem?
— O vestido salmão é pra de noite! Muito formal.
— Dá um pulinho aqui!
— Já vou, querida!
— Será que você pode fazer o favor de vir aqui um instante?
— Péra um pouco.
— Larga um segundo o futebol e vem aqui!
— Ai, meu saco…
— E esse?
— Vermelhinho… Decotinho… Perfeito! Vai ficar uma graça.
— Tá falando isso pra se livrar logo do assunto.
— Tá perfeito! Posso voltar pra sala?
— Tá bom ou não tá bom?
— Tá ótimo!
— Ótimo nada! Tô muito branca pra esse vestido.
— Mas ficou bom.
— Então você concorda que eu tô muito branca!
— Não falei isso.
— Você disse mas, ‘mas ficou bom’.
— Mas ficou bom mesmo!
— Tô precisando tomar um pouco de sol, sim, e daí?
— Pra mim, assim, tá ótimo!
— Branca desse jeito? Nem depilei nem nada.
— E esse aqui?
— É esse! Tá maravilhosa! Esse xadrezinho ficou uma graça.
— Não tá um pouco comprido?
— Por quê? Quer mostrar as pernas?
— Larga mão de ser besta!
— É o melhor vestido que você tem. É esse o vestido! Pergunta pro pequeno.
— Vai sair agora, mãe?
— Não, experimentando vestidos.
— Tô jogano Play StaTion…
— Gostou?
— Do quê?
— Do vestido! A mamãe está bem?
— Manêra, mãe! Tô jogano.
— Tô bonita?
— Manêra, mãe! Pronto, morri! Culpa sua!
— Tô bonita ou tô feia com esse vestido?
— Tá bonita! Combina com a festa junina da minha escola.
— E esse aqui?
— Bem bonito, querida! Tá meio apertado ou é impressão minha?
— Tá me chamando de gorda?
— Você tá com o corpo ótimo. O vestido é que eu acho que está apertado.
— Eu sei que estou gorda, não precisa ficar falando toda hora.
— Você nunca esteve tão bonita…
— Nunca usei este vestido na vida, sabia?
— Bobeira sua… Talvez um número maior aí… Mas dá pra encarar tranquilamente.
— Eu não vou numa festa com uma roupa que me deixa gorda, nem morta! Tá me entendendo?
— Ai, meu saco… Larga mão de ser boba! Todos os vestidos que você experimentou estão perfeitos. Perfeitos! Juro!
— Falo pra você que eu estou sem roupa pra nada e você nem aí. Não tenho roupa pressa festa! Tá-me-en-ten-den-do?
— Pos-so-es-co-var-os-den-tes?
— Esse aqui eu comprei pra ser madrinha de um casamento e acabei não usando. O casal até já se separou.
— Vamos deixar isso pra amanhã? Tô morrendo de sono.
— Gosta ou não gosta?
— Gosto! Gosto! Você fica bem de vestido estampado, fica bem de vestido liso, fica bem com qualquer roupa! Fica bem até sem roupa!
— Engraçadinho…
— Você está linda de morrer com esse vestido!
— Tá me gozando?
— Você está horrorosa com esse vestido!
— Acho que tá meio fora de moda. Anos oitenta… Repara…
— Anos oitenta! Tá linda! Agora, guarda esse vestido no guarda-roupa e apaga a luz.
— Você conseguiu!
— Consegui o quê?
— Que eu não vá mais nessa festa!
— Vamos dormir?
— Não tenho roupa. Não vou!
— Então, tá! Tudo bem.
— É isso que você quer, né?
— Isso o quê?
— Que eu não vá nessa merda dessa festa!
— Não é nada disso, meu amor! Bota o pijama e vem dormir.
— Pensa que eu não te conheço?
— Puta susto! Aconteceu alguma coisa?
— Você acha que eu nasci ontem?
— Mas do quê você está falando, agora, meu saco!
— Da festa, esqueceu?
— Me acordou pra falar dessa maldita dessa festa? Olha que horas são! A gente conversa amanhã. Amanhã já deve ser hoje.
— Você quer é ir sozinho nessa festa baranga. Ficar de olho nas jovencitas amigas da noiva. Ridículo! Pensa que eu não te conheço?
— Tá! Tá! Dorme!
— Decidido! Pois agora eu vou nessa festa!
— Ótimo! Boa noite!
— E eu vou com o salmãozinho!