O outro lado da festa
Na cama…
— Quase meio-dia!
— Não tô com o menor saco de ir nessa festa, sabia?
— Ah, não! Experimentei meu guarda-roupa inteiro pra achar um vestido e você vem com essa história de não tô com o menor saco de ir nessa festa, sabia? Agora nós vamos!
— Aquele pessoal, aquela conversinha, aquelas véia…
— Quer festa melhor do que festa de casamento, meu? Bebida boa, música boa, comida boa, medalhão de filé mignon, prosseco, uiscão 12 anos, caipirosca de tudo quanto é fruta, todo mundo bêbado, todo mundo feliz, sandálias havaianas, bem-casado, você completamente fora de si dançando completamente fora do ritmo…
— Ai, que canseira…
— Vamos, levanta!
— Vou pensar.
— Vai pensar que a coisa lá começa cedo. Almoço, esqueceu? E vamos pegar estrada!
Na porta do banheiro…
— Vai você primeiro, querida!
— Eu? Tomo banho em segundos e me apronto em cinco minutos. Você que é uma noiva pra se arrumar.
— E a sua sobrancelha, o seu buço, a sua maquiagem, o seu batom, o seu o cabelo…
— Cinco minutos!
— Cadê o shampoo?
— O seu tá ali, ó, naquela coisinha.
— Mas o seu é melhor que o meu, dá uma caída boa no cabelo, brilho… Já reparou?
Dentro do banheiro…
— Faz quase meia hora que o senhor tá nesse banho!
— Me pega a toalha?
— Toma aê, noiva!
— Vai entrando, vou fazer a barba. Cadê o negócio da barba?
— Sei lá do seu barbeador! Anda logo! Já estamos atrasados.
— Passou a minha camisa?
— A azul?
— Como você sabe?
No quarto…
— Essa calça parece calça de viado! Tá me estranhando?
— Da Richards. Última moda! Custou os olhos da cara.
— Não combina com a camisa.
— Lógico que combina! Você acha que eu ia te comprar uma calça que não combinasse com as suas camisas azuis? Vamos, logo!
— Deixo a camisa pra fora ou coloco pra dentro?
— Já estou pronta faz meia hora e você descalço.
— Pra fora ou pra dentro?
— Pra fora! Mais descontraído.
— Mas se ficar pra dentro também fica bom, olha só. Mas aí tem que colocar o cinto, né? O marrom de fivela?
— Vai do jeito que você se sentir melhor, mas anda logo!
— Pode pegar a minha meia pelo menos? A azul-marinho!
— Por que você não vai sem meia? Festa à tarde… sítio… calor…
— Meu pé começa a suar, você tá cansada de saber, fica escorregando dentro do sapato, me dá aflição. E depois você ainda reclama do chulé.
— Toma a meia. Veste logo!
— Você prefere o mocassim argentino ou o italiano de amarrar que o seu pai me deu?
— Qualquer um! Anda logo!
— Levo o blaser?
No banheiro…
— Não acredito que você ainda vai se olhar no espelho!
— Magina. Só vim ver onde está o gel.
— Pra quê?
— Você acha que o meu cabelo fica melhor com gel ou sem gel, assim, solto, mais natural.
— E desde quando você usa gel?
— Mas a festa não é ao ar livre? Venta muito. De repente…
— Vai do jeito que você quiser. Anda logo!
— Tá bom o meu cabelo por trás?
— …
— Perfume?
— Você tá de brincadeira comigo…
— Tem aquele francesinho que você me deu…
— …no Dia dos Namorados do século passado e você nunca usou! Aquele é muito bom, aliás. Deve estar vencido. Vamos, rápido!
— Cadê a porra do perfume agora?
— Na portinha do lado do armarinho, onde mais?
No carro…
— Precisava exagerar nesse perfume?
— A boquinha do vidro era muito grande e derramou além da conta.
— Não acredito…
— Mas você não adora esse perfume ‘francês’?
— Mas desse tanto? Abre essa janela, pelamordedeus!
— Não! Vai desmanchar o meu cabelo.
— Então liga a porrinha aí pra circular o ar. Tô ficando enjoada.
— Nossa, como você é fresca.
No sítio…
— Dia lindo, querida! Nenhuma nuvem no céu!
— Lindo! Uma hora e meia de atraso!
— Puta sítio! Olha o gramado… Fizeram uma cobertura bem bacana pra recepção.
— Bacana é chegar no meio da festa.
— Uma cobertura dessa daí custa uma fábula, sabia?
— …
— Não tem um puto de um lugar pra estacionar…
— Não tá vendo o valete ali?
— Pensei que fosse convidado. Mais bem vestido do que eu. E tá de gel, olha lá! Boa pinta, o moleque. E ainda vai pegar umas pratricinha bêbada no fim da festa, quer apostar? Mas terno preto numa hora dessa…
No gramado…
— Chegar no meio da festa é o ó. Todo mundo reparando a gente entrar, olha isso. Tudo culpa sua, sua noiva! Ai, que vergonha…
— Disfarça. Vamos cumprimentar os noivos direto, querida. Tão ali, ó.
— Você tinha que entrar por aqui? Salto alto nessa grama ninguém merece…
— Esse seu vestido salmão caiu muito bem em você, sabia?
— Desde o começo. Não perco tempo, meu filho!
— Você acha que eu devo colocar os óculos escuros?
— Eu acho que você deve é tomar no…
— …olha a noiva, olha a noiva! Viva os noivos!